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quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Imagem é tudo

Hoje, resolvi não escrever. Deixo a imagem falar por mim.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Maria Vitória

Um choro, um sorriso, um gemido e até mesmo a alegria na hora do banho, nos fazem voltar a ser crianças diante da  nossa filha. Ela tá tão manhosa que já sabe como nos levar imediatamente para diante de sí. Quando está com fome, a respiração ofegante e a boquinha aberta é o sinal. Quando não quer mais ficar no berço, começa a gemer como quem está prestes a fazer caquinha. Corremos e ela estica o peito para cima como que tenta alcançar algo com o umbigo. Sei que é corugisse, mas admito sem vergonha nem culpa. Babo eu, babam as irmãzinhas dela e baba muito, a mãe. A Léo, depois que evadiu do hospital, não teve mais febres constantes e sua cútis está cada vez mais linda. Pensem em alguém que acabou de sair de um spá de beleza!É a Léo depois que passou a conviver novamente com a Maria Vitória.
As vovós estão cada vez mais encantadas com sua netinha e quando precisamos que uma delas cuide da nossa filha para resolvermos algum problema, temos que criar estratégias e fazer cálculos para que uma não ache que a outra foi beneficiada ficando mais vezes.  Não precisaremos comprar roupas até que ela complete um ano. Primeiro porque dona Nazira não deixa, depois porque são tantos os presentes, que não temos que nos preocupar.
O Tio rogério ficou tão mexido com o nascimento dela que tatuou seu nome no braço e ainda por cima me convenceu a fazer uma tatuagem também. Não fiz ainda, mas vou fazer assim que me acostumar com a idéia de uma agulha me rasgando a pele.
A Gabi e a Carol, são as meninas mais entendidas de bebês que conheço na idade delas. Enfim... É tanto carinho que a cada dia ela fica mais linda, mais princesa do papai. Ah! Ia me esquecendo. O Porto e a Zelia, vieram nos visitar e foram surpreendidos com o pedido para que fossem padrinhos de batismo dela. Foi um chororô aqueles.




A peruca e a quimioterapia II

Já relatei em texto anterior a importante ligação entre a peruca e a quimioterapia. Aconteceu novamente.Essa ligação se revelou quando esperávamos para os exames de rotina que a Léo teria que fazer depois da fatídica internação. Antes, preciso dizer que todo o tratamento, nesses últimos seis meses, aconteceu sem causar nenhum dano aos cabelos da Léo. Algumas pessoas chegam a duvidar que ela tem a doença.
- Ah! Seis tão de brincadeira!
Gostaríamos de estar. Mas infelizmente é verdade, como é verdade que não caiu o cabelo.
Já ensaiamos varias possibilidades, caso o cabelo caísse.
E, há três dias os fios vem aparecendo aos montes nos lençóis e travesseiros. Mais cedo ou mais tarde isso aconteceria.
Então... Como dizia antes, estávamos aguardando o atendimento, quando chegou a Jéssica. Pra quem não se lembra, ela comprou uma peruca e não havia usado até então. Mas, depois de um bom tempo sem encontrarmos com ela, eis que surge a Jéssica. A peruca estava finalmente sendo usada. Os mais de mil e quinhentos reais, enfim, teriam uma finalidade. E o mais interessante é que depois de um breve bate papo, descobrimos que esse mês venceria a ultima prestação da peruca. Ainda Mais interessante foi descobrir que as duas que antes não tinham perdido cabelo, se encontraram bem na semana em que estavam passando por situação semelhante.
A Léo achou legal a peruca da Jessica mas prefere não usar.
- Quero um lenço bem bonito, amor!
Entre as brincadeiras e as coincidências fica marcada a expressão da Léo quando, sentada à mesa, Olhou bem nos meus olhos e perguntou:
- Não notou nada de estranho em mim hoje, amor?
Eu fiz várias tentativas, mas errei todas.
- Meu cabelo está caindo.
Tentei rapidamente explicar que já esperávamos por isso e que estávamos preparados.
Sei que é muito mais fácil pra mim. Eu não estou perdendo cabelos, pelo menos não tão rápido. Entendo a dor de uma mulher, que estima tanto suas madeixas, vendo-as cair aos montes, dia após dia. Não há consolo que apague a tristeza dessa perda. Mas me surpreendo com a força da Léo. Ela vê e fala disso com muita tranquilidade, pelo menos aparente. Tenho tido muito orgulho da mulher que escolhi para ser mãe de minha filha. Sei que ainda temos muito a trilhar, mas me sinto mais seguro tendo uma guerreira a frente da batalha. Tem um susto aqui, outro alí, mas pouco a pouco vamos vencendo, batalha por batalha.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Consequências

A nova quimioterapia é assustadora. Em uma sacola de um litro ou coisa parecida. Uma química alaranjada desce  para um catéter que vai direto ao coração. Na sacola pendurada junto com o soro a inscrição: "Cisplatina". Pelo que entendi, a função desse tratamento é eliminar a células sanguíneas para que uma nova célula possa nascer. Os principais órgão atingidos são os rins. Por isso é que ela ocorre com a paciente internada. Após 24 horas de quimioterapia, começa o período de recuperação. A  hemoglobina chega a um pico e os médicos ficam aguardando a diminuição desses números. Quando isso acontece, eles aguardam o aumento novamente. Então, colhem células boas através de uma máquina semelhante à de Hemodiálise. O processo é muito parecido. Algumas mangueiras sugam o sangue pelo catéter e devolvem assim que separam as células de que precisa para que no futuro sejam injetadas novamente no organismo. É como preparar um exército que fará o ataque surpresa.
O fato é que esse tratamento, em vez de durar cinco dias, durou dezoito. Foi torturante. Quando conseguiram finalmente colher os exames a febre subiu e os médicos seguraram a Léo por mais um dia, e mais um dia, e... até que minha paciência se esgotou. Juntos, eu e a Léo, fizemos uma lista de argumentos que podiam nos tirar dali. Depois de muito diálogo e argumentos técnicos, decidimos que evadir era a unica saída. Tínhamos a convicção de que nada de sério estava acontecendo. Todos os exames davam negativo para infecções. Quando sentia febre, aplicavam dipirona. Isso seríamos capazes de fazer em casa. Os antibióticos também podíamos dar em casa. Nosso principal medo era de uma infecção hospitalar. Enfim... Evadimos, mas com toda a orientação médica quanto aos cuidados com a saúde da Léo. Ao chegarmos em casa recebemos a notícia de que o hospital tinha dado alta. O caso é que a febre foi embora e a Léo ficou muito bem, em casa conosco.

Um novo tratamento

Depois de recuperada e em casa, a Léo pode curtir e amamentar a Maria Vitória por dez dias. A necessidade de retornar ao tratamento de quimio, não permitiria que isso fosse possível a partir de então. Infelizmente a dificuldade de respirar e as tosses, trouxeram de volta a preocupação com o tumor que parecia ter sido curado durante os quatro meses de tratamento. Em visita ao Hemocentro, tivemos a oportunidade de apresentar nossa filha às meninas e em seguida fomos ao encontro da Dra. Marcia. Ela já estava se preparando para ir embora, mas nos atendeu com todo o carinho costumeiro.
- É Leonice... De fato o tumor voltou com força total. Quero você aqui na próxima quinta para continuarmos o tratamento. Enquanto isso vou receitar um corticóide que vai aliviar um pouco esse seu sofrimento.
Voltamos para casa certos de que o tratamento seria o ABVD. Mas infelizmente, ou felizmente, sei lá, teríamos uma surpresa. No dia em que retornamos para a quimioterapia, todos os exames foram feitos na parte da manhã e estávamos prontos para a avaliação médica e certos de sairíamos dalí para tomar a ABVD.
- Leonice.
Anunciou os auto-falantes.
já estávamos no corredor, diante de uma jovem médica, quando Dra Marcia apareceu e disse:
- Pode deixar Dra. Eu atendo a Leonice.
Nesse momento olhamos um para o outro desconfiados e seguimos para a consulta.
- Leonice. A bebê está bem?
- Sim Dra. Graças a Deus está muito bem.
- Que bom! Porque nós reavaliamos o seu caso e chegamos a conclusão de que temos que atacar esse tumos com mais força. Para isso nós vamos te internar. A Quimio que você vai receber é muito forte e só pode ser aplicada com você internada. Já reservei uma vaga pra você no domingo. Você vai receber uma ligação em casa confirmando.
A Léo começou a chorar muito. Dava pra imaginar o que se passava pela sua cabeça. Serão de quatro a cinco dias distante da Maria Vitória.
- Está chorando por quê, Leonice? Agora que você já passou pelo parto e está bem, podemos resolver o problema de uma vez por todas, isso não é bom?
Perguntou a Dra meio que puxando a orelha.
- Tenho medo Dra. Quero poder criar minha filha. Tenho medo de não viver para ver isso.
- Você vai Viver! Vai Viver, sim! E você deve se apegar a isso para vencer essa doença. Sua filha será sua energia!
À luz!


Como o caso da Léo não é muito comum, afinal, não é sempre que uma grávida em tratamento de quimioterapia entra em trabalho de parto no CAISM, a sala do parto estava cheia. Haviam doutores e alunos. E ao todo, no mínimo oito pessoas em volta da Léo, que por sua vez estava toda monitorada ligada a eletrodos, soro, oxigênio e medidor de pressão. O rosto dela refletia o desgaste que as dores estavam lhe provocando. A dilatação já estava  em seis e os procedimentos e preparativos para o parto começavam. As dores eram tão fortes que  a Léo apertava minha mão como se tentasse esmagá-la. Ela olhava para o médico com raiva e tentava, sucessivas vezes, tirar a mão dele de sua barriga. Era uma verdadeira luta. Percebí que aplicavam medicamentos e, curioso, perguntei do que se tratava. Ninguém me contava o que era. 
- Leonice. Sua dilatação já chegou a dez. Vamos começar a fazer força! Você vai respirar fundo e a cada contração, faça força na barriga para empurrar a bebê. Vamos lá?
Meu coração parecia que batia na cabeça e em vez de ficar nervoso, fiquei com um certo medo. Medo de que algo desse errado. Medo de que minha filha não fosse perfeita. Medo de um montão de coisas.
- Vamos Leonice! Essa é a segunda tentativa. Já dá pra ver o cabelinho dela.
- Amor. Eu não aguento mais mais. Quero sair daqui!

Disse a Léo me olhando com raiva. 
- Você é guerreira, amor. Aguente firme! Ela está nascendo! Nossa filhinha está nascendo!
Era perceptível a falta de forças. A Léo estava buscando energia de todos os pontos possíves do seu corpo para conseguir empurrar a bebê.
- Terceira tentativa, Leonice. Já está com a metade da cabeça pra fora. Força!
O médico mais parecia um treinador de futebol americano.  Não sei se isso ajudava ou se deixava mais tensa a situação.
- Vamos Leonice! É a ultima. Vamos! Vamos! Isso! Muito bem!
O relógio marcava Onze horas e cinqüenta e seis minutos quando minha filha respirou pela primeira vez. Um choro curtinho marcou esse momento. Minha vontade era de sair gritando pelos corredores, a boa nova. Senti vontade de abraçar forte a Léo e deixar claro o orgulho que eu sentia dela.
- Amor. Eu quero ver minha filha! Traz ela aqui!

Disse a Léo, quase sem voz. - Calma Leonice! Estamos só limpando ela e já vamos colocá-la em seus braços.
Respondeu a médica. Estiquei o pescoço sobre o lençol e, finalmente, consegui vê-la. Era tão pequenina e tão cabeludinha. Em seguida a Dra da Neonatal pegou e colocou-a no colo da Léo para a primeira refeição.
- Que linda nossa filha, amor!
- Muito bem, pai! Você nos acompanha para limparmos e fazer os primeiros exames na Maria Vitória enquanto os médicos concluem o atendimento à Leonice.
Eu acompanhei a Dra. mas meu coração se dividia entre a alegria de ter minha filha, alí, bem diante dos meus olhos, e a tristeza pela face de sofrimento da Léo.
Aproveitei cada momento. Fotografei cada momento. A pesagem, a temperatura, os exames estruturais, o exame do pezinho e a medição. Ela é linda!
Enquanto isso a Léo foi encaminhada para a UTI. Essas siglas tem um peso absurdo. O motivo era uma pré-eclampsia. (Eclampsia: 
Afecção! que se manifesta nas parturientes ou nas mulheres que estão próximas do termo da gestação, caracterizada por espasmos convulsivos epileptiformes e urinas albuminúricas. - Dicionário Priberam da Língua Portuguesa ) 
Como a pressão subiu muito antes e durante o parto deu-se um quadro de pré-eclampsia, e ela ficaria, sob medicamentos, em observação e controle da pressão.
Às três horas da tarde, foi liberada a primeira visita e pude constatar que a Léo estava bem. Peguei minha filha pela primeira vez em meus braços. 





Pressão 




- Leonice, como você ganhou peso! Três quilos e meio em menos de quinze dias! Você tá inchada e sua pressão está um pouco alta. A partir de hoje quero que você monitore sua pressão e até a próxima quarta quero que faça alguns exames para ver o que tem na sua urina pois tem proteína nela e isso pode indicar algum problema, tá!
Foi com essas palavras que a Dra Denise nos encaminhou para nos prepararmos para o nascimento da Maria Vitória. E confesso que saímos muito preocupados.
A Léo não consegue dormir há dias e as principais reclamações estão nas dores nas pernas e pés e o corre corre para o banheiro. Nesse momento todos nós estávamos certos de que não demora muito para que ela entre em trabalho de parto. 
De volta pra casa, providenciei, com a ajuda do meu amigo Porto, um aparelho de medir pressão e passamos a medi-la todos os dias. Em alguns momento houve aumento e em outros  ela esteve normal.
Na segunda-feira, fizemos todos os exames que nos foi pedido e na quarta seguimos mais uma vez para consultar-mos com a Dra Denise.
- Todos os exames estão em ordem, Leonce. Não há com o que se preocupar. Estávamos pensando em interná-la hoje, mas diante desses resultados decidimos que você ficará mais uma semana em casa. Até porque vocês são pessoas bem esclarecidas e sei que ao sinal de qualquer situação anormal vão nos procurar.
Eu torci muito para que a Maria Vitória viesse ao mundo no dia 20 de Novembro. Afinal, era o dia da consciência negra e nossa filha já trazia uma marca especial de luta pela vida que, com certeza, fará dela uma guerreira. Mas o destino não está sob nosso controle embora possamos fazer muito para mudá-lo.
- Amor? Você está bem?
Perguntei preocupado com os números de vezes que ví a Léo levantando durante toda a noite.
- Estou com um pouco de dores, amor.
- São contrações?
- Poucas, mais são!
Eu teria que ri a uma reunião de pais na escola da Carol, mas diate desse quadro não dava para não ficar preocupado.
- Amor, toma banho e se arruma que vamos para a Unicamp agora mesmo!
- Mas será que é necessário, mesmo? 
- Me lembro que a Dra nos disse que ao sentir qualquer dor, ainda que pareça bobagem, era para irmos ao hospital.
- Não me lembro disso. Mas vou tomar banho, então.
Deus é tão grande que nos prepara de forma tão misteriosa para certas decisões que mesmo tendo noção do seu poder, fico assustado com esse poder que ele exerce sobre nossas vidas. Eu, de fato sentia que aquele dia não era um dia comum. Havia um certo mistério no ar e eu não queria pagar pra ver. Eram seis horas da manhã de um dia lindo que Deus nos deu e uma batalha estava prestes a começar.
Saímos de casa por vlata das sete horas rumo a Unicamp. O trânsito nesse horário, na saída de Hortolândia não fui e eu tenho que ir por Paulínia. Esse não é o caminho mais rápido, mas diante dessas circunstâncias, é o melhor caminho. O percurso até a Unicamp dura quarenta e cinco minutos e a Léo passa momento de muita dor, principalmente quando passo nas lombadas e buracos. As contrações já levam menos tempo para acontecer e as dores aumentam.
Ás oito Horas a Léo é chamada para triagem no Pronto Atendimento do CAISM. Depois de uma breve entrevista ela é encaminhada para o consultório e lá somos atendido por uma Dra Angolana que logo avisa que quer medir a dilatação. ao examiná-la, a bolsa rompe e as contrações ficam mais intensas. A Dra. mede a pressão e daí por diante começa uma correria bem estranha, mas sentí uma preocupação delas em não deixar que eu percebesse a gravidade do momento. Uma moça me manda levar todos os pertences dela para o carro e a Léo fica recebendo medicação para controlar a pressão. Ao caminhar para o carro, tenho a sensação de que devo voltar o quanto antes para o consultório e é o que faço. Ao chegar vejo que ela não está mais lá. Olho e vejo a porta do corredor balançando e deduzo que acabaram de passar por alí. Saio correndo e vejo as enfermeiras correndo com ela na maca para o elevador. Eu as acompanho e elas me informam que a pressão subiu muito e que ela havia vomitado. 
- Temos que correr para evitar uma convulsão.
Disse uma das enfermeiras.
Ela entrou no Centro Obstétrico e eu fui impedido de entrar. A angustia era tanta que eu fiquei parado diante da janelinha de vidro que havia na porta. Parecia um cão de guarda. Meus dentes estavam sem controle. Eles batiam como se eu estivesse com muito frio. Nesse momento, alí, observando aquele monte de médicos entrando e saíndo do leito, pensei que não veria mais minha esposa. Minha cabeça produzia as mais estranhas das sequencias para essa história. O choro e  desespero eram incontroláveis. Diante de tudo issso, uma enfermeira que me viu alí prostrado diante da porta, resolver falar comigo.
- Paizinho, senta e se acalma! Assim, desse jeito, teremos que para de atender sua esposa para atender o Sr.
- O que está acontecendo moça?
- Não se preocupe! Sua esposa está sendo atendida por esse pessoal todo para que a pressão não continue a subir. Eles já conseguiram controlar e já já estaremos preparando a sala de parto. Senta e respira bem fundo que está tudo bem.
Eu não acreditei muito no que ouví mas percebi que o movimento no leito era mais tranquilo e tentei me acalmar um pouco. Aproveitei para ligar para alguma pessoas e dar a notícia. 
- D. Nazira. É hoje que minha filha nasce!
Essa quase desmaiou. Começou a chorar e disse que entraria em oração.
- D. Luzia. A Léo entrou em trabalho de parto.
Minha mãe ficou feliz e disse assim que ela nascesse era pra eu ligar avisando.
- Gabi. Sua irmã nasce hoje.
Essa vibrou alto no ônibus e depois teve que disfarçar para que não achassem que era maluca.
- Carol. Sua mãe vai ter a Maria Vitória Hoje, viu!
Foi o suficiente para perceber que o ciúmes foi acionado. sua fala era de alegria mas sua voz transmitia um tom de ciúmes.
Enquanto isso, a enfermeira me trouxe um avental e me orientou como eu deveria usá-lo quando eles me chamassem. E meia hora depois eles me chamaram.


Perda 


Do alto, olhando para a esquerda, se vê um bosque em uma pequena montanha e a tranqüilidade que se pode sentir mesmo não estando lá, apenas vendo, apenas contemplando. Olhando para a direita, um amontoado de casas que parecem escalar outra pequena montanha. Entre esses dois pontos, o silêncio daqueles que se foram e o choro dos que ficaram. 
Meu avô, o Sr. Manoel Sampaio, estava no auge de seus cento e dois anos e seu momento chegara. Tudo dentro do combinado. 
Durante sua velhice, contou-nos muitas histórias, ricas em detalhes que, apesar da idade, ele não esquecia. Há duas semanas tive o pressentimento de que teria que me despedir dele e fui a São Paulo visitá-lo. Aproveitei e fiz um pequeno vídeo daquelas que seriam as ultimas frases que eu ouviria de sua boca, em vida. Tenho boas histórias para contar sobre esse homem que nos inspirou e nos inspira mesmo não estando mais em nosso meio. Mas nesse momento prefiro o silêncio e a lembrança. 
A partida do meu avô foi dolorida para mim e minha família, mas por outro lado, a despedida foi muito tranqüila. Nossa família encara a morte como um uma passagem do espírito para o encontro com o Pai. Isso nos faz sentir saudades mas nos deixa com a expectativa do reencontro, o que ameniza a dor.
Assim é a vida. Uns vão enquanto outros estão por vir.







De Volta ao assunto

É natural que, em um tratamento tão agressivo como a quimioterapia, passemos à condição de torcedores fanáticos na luta contra Hodgkin. São muitas as pessoas nessa corrente de fé e esperança, transmitindo como já disse anteriormente, todas as energias positivas, provenientes de todas as fontes de fé. E é claro que eu lidero essa torcida. Não apenas por ser o esposo, mas por estar acompanhando cada passo desse drama, cada aflição nas noites mau-dormidas, nas dúvidas de cada dia, na angústia por uma resposta positiva em cada consulta, em cada ultrassom... Tenho exagerado em algumas de minhas manifestações aqui, mas quero deixar claro que não são apelações sentimentais. O fato é que me emociono cada vez que me sento diante dessa máquina e relato o que se passa. Peço desculpas se ao ler esses textos tenho provocado em você alguma tristeza, não é essa minha intenção. Quero apenas compartilhar contigo cada momento, cada detalhe. É uma forma de desabafar e poder contar com tua atenção. Escrever faz-me sentir que não estou só. Faz-me sentir que alguém se importa. Além disso, penso que ao ler essa história, você está abrindo espaço para o conhecimento das causas e efeitos desse mal, que não vitima somente a Léo, mas milhões de pessoas mundo a fora.
Falemos de coisas boas então!
Estamos na etapa final de mais uma dessas batalhas contra esse tal de Hodgkin. Na última sessão antes do parto, a ala de químio da Hematologia virou um espaço de confraternização. Foi uma festa de despedida regada a muita risada, chocolate, troca de e-mails e muita foto. 
                                  Bárbara, Dani, Léo, Jéssica, Adelice e Larissa




Um sentimento de saudade misturado com a alegria de não ter que passar pela jornada do tratamento, pelo menos por um tempo, espero que para sempre. É claro que as amizades conquistadas nesse período de tratamento, jamais serão esquecidas. Dani, Jéssica, Adelice, Larissa, Barbara e Dra Márcia foram figuras marcantes nesse processo.
Todos os exames possíveis foram feitos para nos certificarmos de que nossa filhinha nascerá bem. Todos os resultados foram os melhores possíveis, e a decisão está tomada pela Dra. Denise em comum acordo com a Dra. Mary e/ou Dra Fernanda: O parto será normal!
Estamos fazendo monitoramento semanais dos batimentos do coraçãozinho da Maria Vitória e ele tem tocado como uma orquestra, em consonância com tudo o que há de bom nesse mundo. Seu peso já é de 2,125 kg, e apesar de não estar crescendo na média em que vinha até o ultimo exame, não deixa de ser um bom peso para uma criança que enfrentou tanto medicamento.
Quanto ao tratamento contra o Linfoma, esse foi interrompido, depois de oito sessões, só retornará depois do parto. Segundo a Dra. Márcia, será feito um PET Scanner(acho que é esse o nome do exame) que permitirá ver se ainda há algum vestígio da doença. Se não houver, e aí entra o torcedor fanático, cuidaremos de nossa filha sem as torturantes sessões de química.
Os relatos em relação ao tratamento começas a se tornar repetitivos, já que é estabelecida uma rotina e muitos dos passos já foram explicados aqui, então... Falemos do Chá de Bebê.
Como durante quatro meses, solicitamos aos nossos amigos que evitassem as visitas, já que o tratamento deixava a Léo com a imunidade muito baixa. E como fomos gentilmente atendidos e compreendidos por todos e todas. E já que o tratamento foi interrompido há mais de um mês, o que permite uma reabilitação de sua imunidade. Resolvemos criar uma situação que pudesse reunir todas as amigas dela em nossa casa organizando um chá de bebê. Claro que não estão liberadas as brincadeiras habituais, mas temos certeza que é uma ótimas oportunidade para que todas, e todos, já que os maridos não ficarão de fora, vejam como a Léo está bem e como sua vitória está estampada em seu rosto, seu sorriso e sua postura firme. Será também, uma celebração pela conclusão da primeira fase da obra de nossa nova casa. Tudo está ficando tão lindo. Tão do nosso jeito. Depois de tanta correria entre ferramentas e materiais de construção, temos muito o que comemorar.

Pressão
O medidor de pressão da sala em frente as cadeiras de espera, lembrava um pêndulo de relógio e minha mente se encarregou de acrescentar o tic-tac. Fazia dois meses que eu não tinha nenhuma imagem da minha filha na barriga da Léo. Para quem está esperando um filho em uma gravidez normal isso nem representa tanto tempo assim, mas para nós, a tensão só aumentava. Segundo os médicos, um bebê que atravessa o período de gestação com a mãe recebendo um tratamento de quimioterapia, tem grandes chances de não alcançar um peso ideal. Isso me deixava cada vez mais incomodado com o balançar daquele instrumento de medir pressão.
- Leonice da Silva Cardoso!
Eu já ia levantando-me quando lembrei que não era permitido acompanhante no início da consulta. Acomodei-me novamente e fiquei na expectativa de ser chamado para ver como estava minha filha. Voltei a fitar o aparelho e imaginar o tic-tac até que surgiu uma enfermeira e rindo me chamou. Não entendi o motivo do riso, mas antes riso do que choro, não é mesmo. Entrei todo apressado na sala e já fui pedindo:
- Cadê minha filha? Quero ver minha filhinha!
- Aí está ela. Uma menina linda! Está com 1,700kg. Por essa eu não esperava. Não é normal uma criança nessas condições ter um peso tão bom. Essa é pra pagar minha língua.
Disse o médico empolgado.
Eu nem piscava. Queria ver cada detalhe.
- Olha a xerequinha dela aqui, papai! Se alguém tinha alguma dúvida de que era uma menina, pode esquecer. É uma bela garota, em perfeitas condições. Parabéns!
Quando o médico acabou de pronunciar essas palavras eu já estava enxugando as lágrimas. Eu posso passar por centenas de situações como esta que vou chorar, sem dúvidas. É uma sensação tão especial que não tem como ser descrita. Sempre me falaram que a experiência de ser pai, muda a vida de qualquer pessoa e eu sempre entendi isso como uma mudança de rotina, de atitude ou coisa parecida, mas não, é uma mudança tão profunda que só sentindo e vivenciando para entender. Eu agora entendo o que é o amor incondicional. O instinto nos transforma num leão preparado para atacar a qualquer sinal de perigo ou ameaça à mãe e à bebê. São perfeitas ações de Deus que nos revela em que, de fato, somos semelhantes a Ele.
Esta ultrassonografia aconteceu alguns dias depois da penúltima sessão de quimioterapia. Isso mesmo! A penúltima sessão. A Dra. Marcia decidiu que a ultima sessão será no dia 30 de setembro e disse ainda:
- Leonice, temos a expectativa de fazer um exame detalhado após o seu parto e que é possível nem termos mais que fazer a químio. É só uma possibilidade, mas diante de sua recuperação e das vitórias que temos alcançado até aqui, pode ser que não tenhamos mais que continuar o tratamento.
Depois de quatro meses acordando várias vezes à noite para ter certeza de que está tudo bem, depois de tantas viagens à Unicamp e horas de espera durante a quimioterapia. Essa era a melhor notícia que eu podia ouvir. Sinto-me como se um fardo de cem quilos começasse a esvaziar e o peso nas minhas costas, fosse me permitindo erguer a cabeça e olhar para o alto novamente. O fato é que não dá pra ser preciso nas informações, aqui passadas, a ponto de deixar claro o bastante, as dores que uma doença como essa é capaz de gerar. Não falo só de dor física, falo de uma dor que parece nunca ter fim, um sentimento que parece ter como principal propósito nos empurrar ladeira a baixo. Passamos parte do tempo tentando achar um motivo para que isso esteja acontecendo, reavaliamos nosso comportamento, nosso caráter é colocado em análise por nós mesmos como que numa tentativa de achar onde está a falha. O controle mais pesado que temos que ter é o de não blasfemar contra Deus. São incontáveis às vezes em que pensamos não ser justo o que Deus está fazendo com nossas vidas. Também são incontáveis as vezes que nos colocamos diante Dele pedindo que pelo menos uma vez olhe para nós. Depois vem o sentimento de culpa por ter deixado se levar por tais pensamentos, e lá vamos nós pedir perdão. Ficamos tão sensíveis que só de alguém chegar próximo, olhar nos olhos, dizer que está torcendo, orando ou que sente muito, nos cria um nó na garganta. Aí vem o controle pra não parecer um chorão. São sentimentos antagônicos, pensamentos conflitantes que se transformam em sacos de pedra de cem quilos sobre nossos ombros.
Pensar que o natal pode ser de paz e comemorações e não de tormento, nos leva a enxergar que o verdadeiro sentido do natal está, de fato, no nascimento. Nascimento de Jesus, nascimento de esperança, nascimento de uma realidade que não pese mais do que podemos carregar sem sentir o incômodo.
A Vida aqui dentro e a vida lá fora

Como bate forte o coração de um bebê em gestação, não é mesmo? Eu já ouvi várias vezes, mas me emociono cada uma delas. É um misto de apreensão e euforia, que se desencadeia em lágrimas, sempre.
- O coração, como vocês podem ouvir, está batendo direitinho, Leonice.
Disse a Médica examinando. E continuou:
- Todos os seus exames, não apresentam nada de anormal, tá! Na próxima terça, quero ver o coração dela, então, teremos uma ultassonografia para ver se está tudo certo, ok!
- Doutora. Temos algumas dúvidas: Se o tratamento for interrompido em outubro e a bebê nascer em novembro, será tempo suficiente para amamentar sem a presença da química no leite?
- Temos que avaliar quando chegar o momento certo, mas acredito que será possível, sim amamentar, embora o tratamento retorne logo após, então serão, talvez um mês de amamentação.
- E o parto? Vocês estão pensando ainda em fazer com trinta e duas semanas?
- Não. Nos vamos até o fim. Se ela ficar os nove meses, será de nove meses. Ainda restam umas onze semanas para curtir a gravidez.
- Será normal, Dra.?
- Acreditamos que sim. Se não houver nenhuma ocorrência até lá, será normal, sim.
Essas respostas, apesar de não apresentarem certeza alguma, nos deixa animados. Pra quem começou o tratamento com a ameaça de um parto prematuro... Chegar ao nono mês será uma vitória e tanto. Agora, o que me deixa um pouco atormentado, as vezes, é a expectativa de como será a saúde de nossa filha. É difícil não ficar preocupado com tanta química correndo no organismo da Léo. As vezes vejo, lá mesmo, no CAISM, algumas crianças com problemas e tenho arrepios quando penso na possibilidade de algo assim nos acontecer. Mas pelo que andei pesquisando, a maiorias dos pais tem essa preocupação e no caso da mãe, existe o pensamento de acontecer algo durante o parto, inclusive de que podem morrer. Meu medo não é nada comparado a isso.
Eu não tenho dúvidas que a gravidez, até aqui, tem sido uma benção na vida da Léo e conseqüentemente na minha. Quando o tumor apareceu, de repente, ficou muito claro que ele foi revelado pela mudança hormonal ocorrida durante a gestação. Talvez se ela não estivesse grávida a doença teria progredido silenciosamente e quando descobríssemos seria muito tarde. Quando foi diagnosticada a doença, os médicos queriam iniciar o tratamento só depois do parto, mas as constantes crises de falta de ar os obrigaram a iniciar durante a gestação. Talvez se tivéssemos esperando até hoje, as conseqüências da doença poderia ter afetado a bebê de alguma forma. Quando estamos aguardando na sala de espera da hematologia, pessoas nos abordam para dizer que somos o exemplo que Deus colocou em seus caminhos para deixar claro que: Se uma mulher grávida está resistindo bem ao tratamento e nem houve queda de cabelos, temos que ter esperanças. Isso me leva a crer que Deus quis que fosse assim para que Ele agisse.
Na quimioterapia passada, estávamos aguardando o atendimento, quando uma "criança" sentou-se à nossa frente e ficou nos observando. Confesso que o olhar constante daquele garoto me incomodava, então fiz um sinal de positivo pra ele, cumprimentando-o. Ele cumprimentou e saiu, tímido. Alguns minutos depois, ele estava retirando uma senha para ser atendido e esse gesto, somado à forma como mexia no boné, me passaram uma imagem de adulto, então perguntei à Léo:
- O que você acha, amor? Aquela pessoa ali é um garoto ou um adulto?
- Um garoto. Deve ter uns dez anos.
- Não sei, não. Ele tem uns gestos de adulto.
Alguns minutos depois, ele voltou a sentar-se à nossa frente e continuou a nos olhar.
- Você está em tratamento de quê?
Perguntou o garoto à Léo.
- Linfoma de Hodjkin.
Sem me conter de curiosidade, perguntei:
- E você? Está em tratamento?
- Estou me tratando aqui desde os dois anos de idade. Tenho problemas renais.
- Qual o seu nome?
- Willian.
Respondeu o garoto me deixando mais intrigado com a firmeza das respostas.
- Mas quantos anos você tem?
- Dezoito anos.
Tentei não fazer cara de surpreso e emendei.
- Mas seu problema renal impediu que você crescesse?
- Sim. Tenho falta de algumas proteínas no organismo e além disso esse problema fez manifestar em mim a Osteoporose, Derrame e problemas intestinais horríveis. Hoje eu estou aqui porque meu sangue está muito fino. Mas já fiquei internado aqui por muito tempo. Outro dia fui pescar com meu pai e de repente meu braço ficou pendurado, eu não o sentia. Meu pai me trouxe pro hospital e descobrimos que eu tinha tido dois derrames. Tenho um trombo no peito e o sangue coagulado se fragmentou e esse fragmento se alojou em meu cérebro impedindo que ele recebesse oxigênio. A médica disse que era pra eu estar todo torto, mas graças a Deus não ficou nenhuma seqüela.
- Mas você vai à escola?
- Eu estou no primeiro ano do ensino médio. Estou com atraso porque fiquei muito tempo internado.
Fomos interrompidos quando chamaram a Léo para a consulta.
Saímos dali perplexos coma História daquele rapaz. Ele tem a altura de um garoto de oito anos, se veste como um garoto e na verdade aquela aparente infância esconde a história de um adulto que tem muita coisa pra contar. Esperamos encontrá-lo novamente e conhecer mais dessa história.
Com esses últimos relatos, quero convidar você, caro leitor e amigo, a uma reflexão:
Todos nós, ou estamos, ou estivemos em uma certa zona de conforto. Isso as vezes nos impede de ver outros mundos. Sim outros mundos. Vivemos em nosso pequeno e restrito mundo e não nos damos conta da quantidade de mundos inexplorados. Enxergamos aquele mundo que não nos move dessa tal zona de conforto. Não queremos conhecer outros mundos. Pra quê? Pra percebermos que nossos problemas são tão pequeninos? Pra ver que não ter uma sobremesa pra saborearmos depois de uma refeição básica composta por arroz, feijão e uns pedaços de frango não é motivo para lamentação quando percebemos que muitos não tem, sequer, o arroz? Pra notarmos que andar de ônibus não é motivo de lamentação diante de pessoas que não são capazes de se locomover sem a ajuda de alguém? Pra atentarmos para o fato de que sofremos de problemas temporários de saúde enquanto pessoas como o Willian, passaram e passarão a vida inteira em tratamento?
Sinto-me um grãozinho de trigo diante dos mundos que estão se revelando à minha frente. E o Willian acaba de abrir as portas de um novo mundo pra mim. Espero que abra pra você também. Não para que você saia por aí se lamentando do quanto é medíocre, mas para que você não se acomode diante de problemas que, nesse momento, lhe pareçam gigantes. Para que não nos acomodemos dentro desse mundo confortável que criamos para nós e abramos espaço para uma vida lá fora.
Mudança


- Temos que promover uma reforma aqui em casa. Essa poeira do Nova América está me deixando pior do que eu devia estar.
- Vamos comprar o piso para a área dos fundos, corredor e garagem, amor. O piso rústico, não ajuda muito a conter o pó.
- Sim, mas a rua continua sem asfalto. Mesmo com essa reforma não conseguiremos resolver o problema.
Essa foi uma discussão entre eu e a Léo sobre as condições do bairro em que morávamos. O Jardim Nova América é um bairro de pessoas boas e trabalhadoras. Acontece que um loteamento mau planejado provocou e provoca problemas que as vezes achamos que jamais serão solucionados. A pavimentação e o esgoto que corre a céu aberto são alguns deles. Isso já vem rolando há mais de quinze anos e somente agora estamos vendo o asfalto avançar em algumas ruas, graças ao esforço político do nosso Prefeito, Angelo Perugini e da Deputada Ana, sua esposa, que buscaram recursos externos para o asfalto. Só que esse recurso só deu para as ruas principais. A nossa ficou sem asfalto.
Para uma pessoa que está com imunidade quase zero e que não pode, sequer, cogitar a possibilidade de contrair alguma infecção ou coisa parecida, sobre pena de ter que interromper o tratamento... A gente até que arriscou demais ficando nesse bairro até esse momento. Mas como se diz: Novos ares podem nos dar novas perspectivas. E nossa esperança de mudança veio de uma forma bem providencial.
-Tino. O cunhado da Dita está vendendo um sobrado e se eu tivesse condições eu compraria. Porque vocês não vêem se dá pra vender essa aqui e comprar a dele?
- Minha sogra. Só seria possível se ele trocasse a casa dele pela nossa e eu venderia o carro para complementar.
- Vou ver com a Dita se podemos ver a casa.
Minha sogra estava animada com a possibilidade. Já nós, desconfiávamos da oferta. O valor era bem abaixo do que se pratica no mercado e não acreditávamos que seria verdade.
Mais tarde:
- Tino. Vamos ver a casa? Só que tem que ser agora.
- Tá bom, D. Nazira. Vamos ver a casa!
Fomos sem muito entusiasmo. Ao chegarmos no endereço, as coisas começaram a tomar um novo rumo e para encurtar a história, fizemos negócio e estamos de casa nova. Num bairro com infra-estrutura de esgoto, asfalto, ruas largas, sem poeira, próximo a um parque sócio ambiental e é uma casa muito maior do que a que morávamos.
É aí que começamos a refletir e perceber que nada é por acaso. Quando descobrimos que a Léo estava doente, buscamos socorro em Deus, primeiramente, e onde víamos uma luz de esperança e de boas notícias. Uma tarde, recebí um telefonema da Mãe Eleonora, preocupada:
- E aí rapaz! Como é que está essa cabeça, com esse problema da Léo?
- Está difícil, viu, mãe! Os médicos dizem coisas, que sabemos ser o dever deles dizerem, mas não estou preparado para ouvir. Não foi fácil quando ouvimos que meu primeiro filho podia não resistir ao tratamento de quimioterapia.
- Não esquenta, Tino. Deus está no controle e tudo há de dar certo. Quer que eu consulte os búzios pra você?
- Quero.
- Então me liga amanhã que eu te digo como foi.
Cheguei em casa e comentei com a Léo. Confesso que estava com medo de que a resposta não fosse a que esperávamos e isso piorasse o quadro. Mas no dia seguinte, liguei para ela.
- Mãe Eleonora. O que disseram os búzios?
- Acho melhor você vir até aqui. Prefiro falar pessoalmente.
Confesso que o caminho da minha casa até a dela, foi o mais longo que já percorrí. Deu tempo para pensar em todas as besteiras que um ser humano pode pensar.
- Olha. Os Búzios são muito claros quando há uma situação de morte. Nesse caso, não houve nenhum sinal de morte, nem da mãe, nem do bebê.
Essa foi uma notícia que me tirou uns cem quilos das costas.
- Só que eles também dizem que vocês passarão por momentos muito difíceis. Ela está sim com um problema sério, mas passará por tudo isso com vitória. Sua esposa é muito forte e os búzios deixam muito claro que, tudo agora, depende da vontade divina. Tem muita gente fazendo correntes de oração e são pessoas de várias religiões, e isso tem dado um rumo que só Deus dirá qual será o desfecho. Fiquem tranquilos que vocês  terão muitos momentos felizes com o(a) bebê de vocês.
Diante dessas palavras, voltei aliviado, apesar de preocupado com o que vinha pela frente. Mas hoje, revivendo aquele momento, percebo que o que a Mãe Eleonora disse, está se cumprindo. Deus está mesmo agindo e são tantas as orações, vindas de tantos lugares. E agora, podemos vislumbrar um futuro com nossa filha correndo pelos corredores da nova casa que Deus nos preparou durante essa tormenta. Aproveito para agradecer a cada um que dedicou, um minuto que seja, para interceder pela Léo. Valeu cada intenção, cada palavra. Valeu cada gesto de amigos e colegas nos corredores do meu trabalho, nas ruas, por telefone, mensagens de e-mais e orkut. Deus há de retribuir cada minuto de dedicação com bençãos, que ficarei feliz se Ele me designar para ser o portador. Gostaria de poder citar os nomes de todos aqui, mas ficaria impossível de ler uma lista tão ampla. Esses são os anjos nos quais acredito. Eu consigo sentir, tocar e ouvir cada um deles. E não tenho dúvidas: Você que agora lê essas palavras, pode ser um anjo, que está aqui para cumprir o designo de Deus. Deixe que Ele te conduza. A recompensa virá ainda nessa vida e continuará quando estiveres ao lado do Pai.
A Peruca e a Químioterapia


- Mãe. Já que eu vou começar o tratamento de quimioterapia, quero comprar uma peruca.
Disse Jéssica ao descobrir que faria o tratamento. Jéssica é de Santa Bárbara D'oeste, tem 20 anos e há uns três meses descobriu que tinha Linfoma de Hodgkin e sua situação já estava bem complicada, pois o câncer estava na linfa e por causa da doença desenvolveu uma anemia.
- Filha. Ainda é muito cedo para pensarmos numa peruca, minha filha.
- Não, mãe. A senhora não está entendendo: Quero uma peruca e tem que ser igual ao meu cabelo.
- Está bem! Vamos procurar uma peruca.
Elas circularam pela cidade e não encontraram uma peruca que agradasse a Jessica que não titubeou em sugerir.
- Se não tem aqui tem em São Paulo. Vamos, mãe! Vamos a São Paulo!
Em São Paulo elas, de fato, encontraram uma variedade de perucas e Jéssica convenceu a sua mãe de que mil reais não era tão caro assim. Afinal, era do seu visual e auto-estima que estavam falando.
Esta semana, ela concluiu o segundo ciclo de quimioterapia que equivale a quatro sessões e até o momento não há sinais de queda de cabelo
- Vou ter que raspar o cabelo dela pra dar utilidade à peruca.
Disse a mãe em tom de ameaça durante a conversa que se tornou a piada do dia na hematologia.
Peruca e quimioterapia formam uma dupla indispensável quando pensamos em alguém que está em tratamento de câncer. A Léo e eu, já discutimos várias vezes sobre essa possibilidade. Todos sabemos o apego de uma mulher com o cabelo e ainda se tratando de um momento delicado como esse, não é difícil perceber o constrangimento com que esse assunto é tratado nas sessões de quimioterapia. O estranhamento é maior quando alguém está em tratamento e os cabelos não caem. Graças a Deus, a Léo está na quinta sessão e até o momento, não caiu o cabelo e não teve nenhuma manifestação de reações que em outros pacientes são bem comuns.
Deixando a peruca de lado, falemos sobre o encaminhamento da Dra. Márcia ao tratamento da Léo.
- Leonice! Como sua barriga está enorme! A gente passa uns dias sem ver e quando vemos já está desse tamanho.
Disse a Dra espantada.
- Alguma dor ou reação, Leonice?
- Não, Dra. Só coceira, muito suor e à noite, estou tossindo muito.
- Não se preocupe! São reações normais.
Enquanto conversava a Dra. analisava os exames.
- Está tudo em ordem, Leonice. Vamos falar sobre o futuro do tratamento. Você está respondendo muito bem à quimioterapia e... O tumor diminuiu?
A Léo mostra e ela conclui.
- É. Só tem um caroço bem pequeno em vista do que havia. Como dizia: Vamos seguir até o quarto ciclo, que corresponde a metade do tratamento. Então, daremos uma pausa para aguardarmos o nascimento da Maria Vitória e depois retomamos o tratamento de onde paramos.
- Nesse caso não corremos o risco de haver um avanço da doença?
Perguntei preocupado, mas ao mesmo tempo sabendo que não teria alternativa.
- Não vamos nos preocupar com isso, agora. Vamos pensar no nascimento da bebê e depois faremos novos exames para ver o tratamento adequado de acordo com o quadro.
- Tenho a sensação de que não tenho leite. É normal? Eu terei leite quando minha filha nascer?
Perguntou a Léo.
- Não se preocupe! Quando ela botar a boca no seu peito, sairá leite.
Ao dizer isso a Dra. não deixou muito claro que seria conveniente amamentar, mas também não disse que não poderia. Isso gerou um impasse na roda de conversa na sala da quimioterapia. Quando a Léo disse que amamentaria, quase que em coro, as enfermeiras disseram:
- Eu não faria isso!
- A química ainda estará em seu organismo.
- Quem garante que não estará no leite?
- Fale com ela de novo e confirme bem essa história, Leonice!
A Léo ficou bem preocupada com toda essa conversa, mas infelizmente, teremos que esperar para consultarmos os médicos do CAISM e saber a opinião deles. Acho que isso ainda será pauta de muitas discussões. Vejo que, por não se tratar de uma situação corriqueira, nem mesmo os médicos têm certeza do que deve ou não, ser feito.
Mas uma frase que tem se tornado um pesadelo pra mim é:
- Caso alguma coisa dê errado, priorizamos a mãe.
Não é pelo fato de priorizar a mãe. Quero que as duas fiquem bem, e ouvir que uma será priorizada aumenta a sensação de que algo de ruim pode acontecer com a Maria Vitória nesses últimos meses de gravidez. Embora saibamos que se houver um parto prematuro, as chances de sobrevivência da bebê são grandes. Mas não gosto de pensar nisso. Não ajuda em nada e essa frase sempre vem a tona nas conversas com os médicos.
Mas eu sei que meu anjo virá para fazer a diferença nesse mundo.
Um pesadelo

Às vezes me sinto tão forte e tão confiante que acredito que nada será capaz de me atingir. Nos últimos dias venho tendo dúvidas de que sou tão forte assim. Eram duas horas da madrugada, meu sono foi interrompido abruptamente e uma figura que apresentava traços de uma mulher vestida de negro e com o cabelo em corte Chanel apareceu de repente em minha cama. Minha consciência me dava a certeza de era minha esposa que estava comigo, mas aquela figura não era ela. Debatemos-nos tentando nos defender até que a luz foi acesa e a Léo estava de pé em frente a cama, com um semblante assustado e sem entender o que acontecera. Foi uma situação horrível e por pelo menos uma hora, senti calafrios como se assistisse a um filme de terror. O sentimento de que podia ter machucado minha esposa me atormentou o resto da noite. As sete horas o celular tocou. Atendi, e minha irmã foi logo dizendo:
- Eu estava falando com minha mãe ao telefone e ela desmaiou. Eu ouvi o tombo. Corre lá, pelo amor de Deus e vê o que aconteceu. Você mora mais perto.
Corri em desespero até que ao chegar na casa de minha mãe, percebi que já estava consciente, mas muito mau. Estava pálida e se queixava de dor abdominal. Eu a socorri até o Hospital de Hortolândia onde foi atendida imediatamente. Já medicada, ela foi encaminhada ara novos exames, mas não foi descoberto nada que representasse grandes preocupações. O fato é que me dei conta que estava de pijamas e ao retornar para casa tive uma crise assustadora. Foram aproximadamente sessenta minutos de um choro incontrolável. Minha cabeça parecia estar em curto. Eu tremia sem parar e meus pensamentos revelavam algumas indagações:
- O que Deus quer de mim? 
- Porque tudo isso está acontecendo de uma só vez?
- será que serei forte o bastante para encarar tudo isso de frente?
Não obtinha respostas. Só um choro que vinha da alma. E ao passar pela Léo não consegui esconder o desespero. Ela me abraçou e acariciando-me disse:
- Calma, amor! Está tudo bem agora.
Percebi que tinha que parar de chorar para não deixar uma imagem frágil para ela, afinal, ela e quem precisa de um ombro pra chorar, ela é quem está atravessando a pior de suas crises, mental e física. Mais tarde conversamos e ela me disse que o que mais a assustou foi o fato de eu ter revelado que não era tão forte assim, isso a deixava insegura. Expliquei que foi por causa de minha mãe e ela então, entendeu, mas sei que tudo está muito pesado pra mim e eu terei que ser forte o bastante para não permitir que minha fragilidade a desencoraje.
Fazendo relação do sonho com tudo o que acontecera, entendi que o pesadelo das duas da madrugada, teria sido um aviso de que algo estava errado com minha mãe. Isso explica o cabelo em corte Chanel, minha mãe está usando esse corte e no dia seguinte ela me disse que estava muito mau por volta desse horário. Parece que vivi uma experiência sobrenatural.